O "clássico" nem sempre justifica o nome e as honrarias...
Internacional e Grêmio conseguiram arrastar milhares e milhares de torcedores, que assinalaram um recorde de bilheteria no certame oficial de 1940, mas ofereceram pouquíssimos lances emocionantes.
Por sete vezes, o público teve a sensação máxima que lhe é proporcionada pelo futebol. A contagem alarmante, antes de tudo, depõe contra a qualidade do prélio. Realmente, a pugna, sob o aspeto tático, teve contornos paupérrimos decepcionantes mesmo.
Convenhamos que sete gols em nada recomendam as defesas.
O COMPORTAMENTO DOS COLORADOS
Numa de nossas crônicas analisamos as possibilidades dos dois "sextetos".
O cotejo da Timbaúva veiu confirmar a crítica. Embora vencendo o "derby" metropolitano, os rubros apresentaram falhas e falhas grosseiras, sobretudo na defesa, onde três homens podem isentar-se da classificação "sofrível". Risada, Magno e Marcelo. Álvaro com suas entradas oscilantes e indecisas, a chutar, no lado direito, sistematicamente, com o pé esquerdo, causou diversos "pânicos". Alfeu se apresentou numa tarde negra. Correspondeu ao dia fosco. Findou na ponta direita, baixando Tesourinha. Assis, na esquerda, não convence, assim mesmo manteve-se ativo.
O ataque já se firmou como o melhor da cidade. Russinho é o grande animador e construtor. Segue-se-lhe em méritos Tesourinha. Rui, o "municiador". Carlitos veloz, pouco empreendedor, perigoso, sempre atento aos momentos propícios. Castillo em plano inferior.
TRIUNFO MERECIDO
A ação em conjunto dos dois adversários, incontestavelmente, não nos agradou. Entretanto, é lícito declarar que o Internacional mereceu o triunfo. Agiu com superioridade, com sangue e vontade contínua. Onde a tática falhava, o ardor excedia. E isso ocorreu nos dois quadros. A centelha colorada, todavia, ultrapassou a dos tricolores, que cedo bruxoleava.
Apesar dos pesares, os "diabos rubros" estiveram melhores e... ganharam.
A AÇÃO DOS TRICOLORES
Os pupilos de Telêmaco fizeram um primeiro tempo apreciável. Jogadas concenciosas, sobressaindo certo entendimento, em que pesem as falhas de Alexandre, Walter e André, na intermediária, também claudicavam.
Noronha exibiu-se neste período de modo soberbo. Fogo, na linha, foi o "super-homem". Alfeu, destacado para "policiar" o vigoroso entre-ala canhoto levou um "passeio". Acontece que o veterano não resistiu à fadiga. Esmorecendo Fogo, a linha da "baixada" desapareceu por completo dando intenso trabalho a Noronha e à zaga.
A situação se agravou nos últimos dez minutos. Luiz Luz, contundido, saiu alguns instantes e depois permutou com Válter. Ao Grêmio nada adiantaram as condições precárias de Alfeu, pois ele padecia de mal idêntico, agravado pela deficiência do meia-direita, sempre a inutilizar as investidas com maus passes ou abuso de jogo individual.
OS GOLS
O Grêmio abriu a contagem. A ofensiva tramou com rapidez, aos 9 minutos e meio, evoluindo pela esquerda. Fogo cedeu a Cezar e este derivou logo a Alexandre, que habilitou Nidsberg. O ponta "acomodou" o couro com facilidade.
Pouco durou a vantagem. Uma entrada espetacular de Tesourinha neutralizou a conquista tricolor, aos 11 minutos. Um gol em lindo estilo.
O mesmo Tesourinha, aproveitando-se de um foul batido por Magno, registra o 2º gol. Um "frango" de Edmundo.
No derradeiro minuto, Risada, Assis e Álvaro se confundem com Nidsberg e este atrasa a Cezar Bazílio que faz estremecer as redes de Marcelo, equilibrando o escore.
No período complementar, Magno apoia a Russinho (48) que obteve o terceiro ponto. Aos 59, Nidsberg fogo pela direita e estabelece novo equilíbrio. Oito minutos mais tarde Russinho consigna o ponto de honra (4 x 3). A luta se inclina francamente para os rubros até soar o apito do cronometrista.
Internacional: 4
Grêmio: 3
Árbitro: Alfredo Cezaro: bom
Renda: 31:540$000
Os quadros:
INTERNACIONAL:
Marcelo — Álvaro — Risada — Alfeu (Tesoura) — Magno — Assis — Tesoura (Alfeu) — Russinho — Carlitos — Rui e Castillo.
GRÊMIO:
Edmundo — Dario — Luiz (Walter) — André — Noronha — Walter (Luiz) — Nidsberg — Alexandre — Cezar — Fogo e Duarte.
Os melhores: Russinho, Fogo, Noronha e Risada.
Fonte: Diário de Notícias (RS), n. 221, 21 out. 1940, p. 6. Disponível em: http://memoria.bn.gov.br/DocReader/093726_02/3125. Acesso em: 17 jun. 2025.
O MELHOR JOGO DE PORTO ALEGRE
O CLÁSSICO DA CIDADE
INTERNACIONAL, 4 X GRÊMIO, 3
Não satisfez amplamente o combate tradicional entre os dois mais fortes quadros da cidade. Aliás, isto é de se esperar, numa partida em que unicamente o ardor tem o papel principal, sobrepondo-se à technica. No Rio ou em São Paulo, quando se batem o Flamengo e o Fluminense, e o Corinthias contra o Palestra, a característica predominante é quase sempre a falta de técnica e o excesso de ardor. Porto Alegre não poderia fugir à regra, pondo em campo seus mais credenciados representantes.
Não agradou de um modo geral, porque no que diz respeito a tentos, houve bastante (7!), numa demonstração de bons ataques e defesas falhas. A não ser o equilíbrio do marcador, oscilando entre um e outro contendor, nada mais apresentou digno de menção o prélio decisivo para o campeonato citadino.
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O Internacional apresentou-se em campo como franco favorito, dada a ausência de alguns titulares do seu rival, como Laxixa, ora atuando no Botafogo e que bastante falta fez, e Vanário, meia-direita, substituído por Alexandre, um futuroso jogador, mas que não preencheu satisfatoriamente, o lugar do veterano "índio".
Tendo atualmente a melhor artilharia da cidade, composta por Tesourinha, Russinho (várias vezes integrante do combinado gaúcho e aquele requisitado por Pimenta para integrar o team brasileiro), Carlitos, Ruy e Castillo, o Internacional encontrou alguma dificuldade para abater o adversário, em vista da defecção da intermediária, onde unicamente se salientou Magno, outro veterano, e a falha sensível do zagueiro direito, Álvaro, da equipe secundária, elevado à principal. Mesmo assim, conseguiu o trinfo, bastante merecido porque soube tirar partido das situações apresentadas, transformando-as em gols, objetivo essencial para se ganhar um prélio.
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O tricampeão da cidade, o Grêmio, teve, ao contrário, seu ponto alto na defesa, isto é, nos dois zagueiros, que sustentaram com galhardia o assédio rubro, e no "eixo", sob a responsabilidade de Noronha, que mais uma vez confirmou suas qualidades de excelente jogador, frente ao seu mestre e "inimigo", o "chave" contrário, Magno. Naqueles três homens residiu a possibilidade dos tricolores surpreenderem a perícia de Marcelo, conquistando três tentos e dando um aspecto de equilíbrio para a partida, que durou quase todo o primeiro tempo e um pouco do segundo.
A linha dianteira gremista desapareceu por completo, salientando-se unicamente Foguinho, também veterano (até parece que era o dia dos veteranos... ), que trouxe em polvorosa a defesa encarnada, dando um insano trabalho ao médio colorado.
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Em linhas gerais, este foi o panorama que se pôde apreciar na contenda de domingo, com algumas jogadas de sensação e técnica... pouca. Até o tempo esteve ruim, sombrio, pressagiando qualquer coisa, que felizmente não surgiu.
Investigando individualmente os quadros, podemos salientar no Internacional o trabalho de Risada (mais outro veterano...), que foi o sustentáculo do triângulo final, Magno de centro médio, Russinho e Tesourinha, avantes, que garantiram o sucesso do prélio com boas jogadas, merecedoras de aplausos. Marcelo, o guardião, muito nervoso, permitiu um gol que nos pareceu defensável, entretanto não comprometeu. Álvaro, o outro zagueiro, falhou por diversas vezes, comprometendo o quadro, mas salvando também algumas oportunidades do adversário, o que equilibrou seu modo de atuar. Na intermediária, Alfeu não pôde aparecer, levando um "passeio" de Foguinho e terminou lesionado, passando a atuar na ponta, quase no final do jogo, cedendo seu lugar ao extrema Tesourinha, que desempenhou bem o seu novo papel. Assis, mais conhecido por "Nenê", também visado por Pimenta quando aqui esteve, como o melhor médio direito, atuando na esquerda não se exibiu a contento, mas fez uma boa partida. No ponto alto da equipe, isto é, a linha dianteira, Ruy, Carlitos e Castillo mereceram a classificação "muito bom", "bom" e "regular", respectivamente, sendo que Castillo, extrema esquerda, não teve muita oportunidade de demonstrar suas qualidades, uma vez que o jogo foi quase todo ele feito pela direita, quando, se insistissem pela esquerda, talvez desse lugar ao aumento do marcador, pois o ponta estava muito desmarcado.
Sem um desempenho perfeito, o Internacional mereceu ganhar, porque atuou com superioridade em determinadas ocasiões e soube tirar partido da situação obtendo gols, que lhe garantiram o triunfo e foram o reflexo da vontade férrea de vencer que possuíam seus jogadores.
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O Grêmio não esteve num de seus melhores dias, salientando-se unicamente, como já referimos, o trabalho do trio final e o centro médio, dignos de todo o aplauso. Edmundo, arqueiro, aparou pelotaços difíceis, mas teve a infelicidade de ser vencido por um gol que pareceu "frango". Dario e Luiz Luz, ambos integrantes do combinado gaúcho por diversas vezes, reeditaram suas brilhantes atuações de outros tempos, demonstrando estarem em forma, ainda. Noronha, de centro médio, viu-se sozinho diante da artilharia colorada, conseguindo neutralizá-la enquanto teve fôlego, depois... a partida terminou e o adversário ganhou! Deve o Grêmio a Noronha o assédio que conseguiu manter durante algum tempo, ao arco inimigo, dando insano trabalho ao triângulo final rubro, que se viu vencido por três vezes. Não só defendeu o valoroso center-half, como também auxiliou bastante a Foguinho, cérebro do ataque tricolor, equilibrando a contenda por largo tempo. O meia esquerda salientou-se por sua combatividade e energia, alimentando seus companheiros enquanto não cansou e dando vida ao ataque gremista que por diversas vezes esmorecia, na falta de construtores capazes, para auxiliar o trabalho de Foguinho. Com este, o arco adversário passou por um verdadeiro "carrinho de fogo"... Dos médios, André superior a Walter, que não pôde prender eficientemente a ala direita rubra, deixando-se envolver com muita facilidade. Laxixa fez muita e muita falta. Na dianteira, Mario, na ponta direita, fez uma ótima partida, conquistando dois gols, em boas condições, que o credenciam para efetivo na posição. Malaquias na esquerda, apesar de "solto" não apareceu muito... Temos, finalmente, Alexandre, meia direita improvisado (pois sua posição verdadeira é centro-avante), que demonstrou muito sangue, combatividade, mas não conseguiu convencer na meia. Ora fazia jogadas pessoais, inutilizando uma avançada, ora fazia passes atrasados, permitindo o alívio da defesa adversária. Gostamos mais de vê-lo atuar no centro do ataque, onde seu cérebro produz mais do que o demonstrado domingo último. É jovem e promete, faltando-lhe apenas, para tornar-se um crack, uma boa orientação individual e mais traquejo, que se obtém, justamente... jogando.
MARCHA DO MARCADOR
1º (Grêmio) — Noronha dá a Foguinho, que estende a Bazílio e este a Alexandre. O meia corre, atrai um contrário e cede ao ponta. Mario entra corrido e não tem dificuldade em abrir a contagem da tarde, aos 9 minutos.
2º (Internacional) — Tesourinha, segundos após, entra fulminantemente, numa centrada, desarmando Edmundo e empatando o prélio. 1x1!
3º (Internacional) — Magno bate uma falta, a bola cai sobre a área e Tesourinha aproveita para obter o segundo ponto. (Teria sido "frango" do arqueiro?). 2x1.
4º (Grêmio) — Alexandre controla a pelota e estende para Niedesberg, que corre até o canto direito do arco. Risada, Álvaro e Assis vão ao seu encontro, deixando a área vazia. Há um entrevero e Mario leva a melhor, dando atrasado para Bazílio, que defronte ao arco esperava calmamente o que "sobrasse" da luta. Este, sem ser incomodado, atira inapelavelmente, empatando de novo: 2x2!
Quer nos parecer que foi uma falha da zaga, deixando os contrários completamente sozinhos.
5º (Internacional) — Mais uma vez os rubros tomam a dianteira, por intermédio de Russinho, o goleador, que aproveitando um passe de Magno, desempata o jogo, já no segundo tempo, isto é, aos 48 minutos. 3x2!
6º (Grêmio) — Dominam os tricampeões, até que o Internacional vai à carga, descendo toda a defesa para apoiar o ataque. Luiz Luz rebate e Noronha passa a Niedesberg, que foge, perseguido por Nenê. Ao aproximar-se do arco, Mario aplica uma finta "de criança" em Assis e frente ao gol chuta com o pé esquerdo, sem dar oportunidade a Marcelo de defender: 3x3! Delírio da torcida!
7º (Internacional) — Estava escrito, porém, que os rubros não perderiam a jornada porque estavam atuando melhor e mereciam ganhar. Assim, depois do empate derradeiro, os vermelhos atiraram-se com vontade e viram coroados seus desejos e esforços aos 67 minutos de jogo: Há uma carga pela direita, Tesourinha corre na pelota, que ia sair, controla de cabeça e passa para o centro. Carlitos atira em gol, Luiz defende fracamente, ficando a bola dentro da área. Russinho ajeita o couro com o peito e... estava decretada a vitória!
Apitou a contenda o conhecido árbitro Alfredo Cesaro, que atuou bem. A renda foi a maior na capital, ultimamente: 31:540$000! Recorde do clássico.
Os teams estavam assim constituídos:
GRÊMIO — Edmundo; Dario e Luiz Luz; André, Noronha e Walter; Mario Niedesberg, Alexandre, Cezar Bazílio, Foguinho e Duarte.
INTERNACIONAL — Marcelo; Álvaro e Risada; Alfeu, Magno e Assis; Tesourinha, Russinho, Carlitos, Ruy e Castillo. [...]