BOCHINCHO SEM MÚSICA
CONTINUO recebendo cartas sobre o inicio footballístico de Porto Alegre.
A minha crônica sobre o Internacional, que foi desvirtuada e alterada por uns meninos inocentes, ainda está sofrendo os efeitos da incompreensão, que lhe altera o sentido e o motivo.
Parece até que aquela gente não sabe ler, pois está contestando coisas que eu não disse nem pensei em dizer.
Li uma crônica vinda de Porto Alegre, em que o signatário falsifica o meu pensamento. Onde há falsificação há má fé.
Mas, mesmo o que eu não disse poderia ser dito...
Recebi uma carta de um dos fundadores do S. C. Internacional, em que esse amigo fornece dados interessantes. Explica, por exemplo, porque o clube fundado pelos estudantes recebeu o nome de S. C. Internacional, e qual a ideia que presidiu a escolha das cores da sua camisa e de seu pavilhão.
O motivo foi o seguinte: entre os fundadores havia três irmãos paulistas, dos quais dois eram jogadores e o mais idoso foi o primeiro presidente do Internacional. Esses rapazes tinham pertencido ao Internacional de São Paulo, e, por isso, influenciaram os companheiros na escolha do nome e das cores do clube que se fundava.
E o missivista continua: "A ideia nacionalística, da fundação do Sport Club Internacional nasceu, precisamente, pelo fato de serem os clubes locais nitidamente alemães. O 'Grêmio', embora tivesse nome brasileiro, servia-se da sede do antigo 'Tiro Alemão': a maioria dos seus componentes era nitidamente de elementos germanizados.
O Fuss-Baal, embora tivesse o nome alemão e fossem os seus recibos impressos nessa língua, a totalidade dos elementos dos seus dois quadros era de rapazes de origem alemã. Assim que com a fundação do 'Internacional', visava-se nacionalizar o foot-ball em nosso meio. Nós, os jogadores do Internacional, tínhamos em mente um lema: 'Temos de vencer os alemães'. E assim começou a campanha valentemente escudada pelos alunos da antiga 'Escola de Guerra'".
Esses esclarecimentos me foram mandados pelo Sr. Breno Dornelles, um dos organizadores do Internacional.
Recebi também uma carta do Sr. José Tavares Py, velho conhecido meu, apaixonado gremista e, de fato, um desportista sincero.
Ele contesta que o Gremio tivesse tendências germanófilas, coisa, aliás, que eu não disse.
Estranhou que eu tivesse voltado a um "assunto antipático". Mas eu preciso dizer que voltei obrigado pelas missivas recebidas.
Explica o meu amigo João Py que, de fato, na época a que me referi, havia esse ambiente, mas provocado pelo Internacional, constituído então de estudantes da fronteira.
Diz ele em sua carta que "invectivavam os jogadores do Grêmio, por ocasião das partidas, com gritos de "boche", "alemão", "alemão retovado" e outras cositas mas".
"Daí a lenda de que o Grêmio era 'alemão', expressão essa que se generalizou entre a torcida do Internacional, empregada no sentido pejorativo até contra os próprios dirigentes do Grêmio."
Afiança-me o desportista João Py que havia exacerbações de patriotismo em 1917, devido à guerra com a Alemanha, e que como tivesse jogado no
Grêmio a famosa parelha de backs — Schuback e Mordieck — que eram alemães, a torcida adversária usava essa acusação como a arma que hoje se classifica de guerra de nervos"...
Diz-me também que, nesse tempo, eu era muito jovem e, por isso, não teria compreendido esses episódios, que guardei na memória, tirando conclusões que não eram as exatas.
Acrescenta que ele, como mais velho, deve esclarecer-me sobre o assunto.
Também me diz que eu, ao citar o nome do meu dileto amigo Professor Aurélio Py (pessoa a quem sempre rendo a minha homenagem de amizade e admiração), esqueci de citar Carlos Azevedo, Bráulio Teixeira e Umbelino de Barros.
Ora, eu não estava fazendo lista de nomes, nem história para livro, escrevi uma crônica de resposta aqui na Federação, entre o barulho das conversas, rapidamente. Por coincidência, os nomes citados são de velhos amigos e companheiros políticos daquele tempo, por quem ainda mantenho a mesma atitude.
Citei o Prof. Aurélio Py porque sempre foi o mais destacado e o mais meu amigo, com quem eu comentava habitualmente as partidas.
Assim dito, parece que eu teria negado a presença de nomes brasileiros no Grêmio, ou nomes de origem estrangeira no Internacional, coisas que não são verdadeiras.
Vale, portanto, transcrever o que eu disse na tal crônica contestada: "O Internacional era o velho cerne do Rio Grande do Sul, reagindo em nome das tradições gaúchas, dos nomes da velha cepa portuguesa, ou de outras origens europeias, que já se haviam caldeado através de gerações riograndenses, de gente endurecida pelas intempéries da campanha, de peles tostadas pelo sol e pelos ventos do sul. Gente da terra e identificada com ela. Havia também brasileiros nos outros clubes. Mas não havia a homogeneidade do Internacional".
Parece que está bem claro.
Não se trata de coisas de hoje, nem de que não houvesse nome brasileiro, naquele tempo. Também admiti a identificação com a terra, para as pessoas de origem estrangeira, ao ponto de serem autênticos gaúchos, tostados do sol e do vento do sul.
O mais é exploração estéril.
O meu artigo não e uma sentença inapelável. Que discutam os velhos do Sul e no Sul.
Fonte: Jornal dos Sports (RJ), n. 4674, 09 nov. 1944, p. 1. Disponível em: http://memoria.bn.gov.br/DocReader/112518_01/23056. Acesso em: 13 jul. 2025.