A princípio, dizia-se que o match seria parelho, pois que se era verdade que o Grêmio se ressentiria da falta de Lara, Py, Carioca e Ramão, ora em S. Paulo, também não era menos verdade que o Internacional iria para a luta com a falta também de Genny e Ribeiro, igualmente em S. Paulo, e Sady, o seu melhor forward, que há muito se acha enfermo. Considerando que com essas faltas as forças continuavam ainda parelhas, foi o embate marcado para a tarde de ontem.
Estavam as coisas neste pé, quando no seio dos jogadores do simpático clube alvi-rubro surgiu um "movimento revolucionário". Entendiam uns que, desfalcado como estava, não se devia expor o seu pavilhão a uma derrota idêntica àquela do Cruzeiro, quando foi do seu primeiro encontro com o Grêmio após a pacificação. Ou fosse simplesmente por isso, ou... por qualquer outro motivo, o fato é que o half-center internacionalista Lampinha não queria jogar, compartilhando deste mesmo parecer o keeper Bard e o meia-esquerda João Manoel.
Em consequência deste movimento, o desfalque no team do Internacional de três elementos que era, passou a ser de seis, ou seja, mais da metade do quadro. Assim, por espaço de dois ou três dias, os comentários de café diziam que o match não mais sairia.
A diretoria do Internacional, porém, que já havia hipotecado a sua palavra, não quis saber de “xaveco" e sentenciou: "O match sairá nem que tenhamos que pôr em campo todo o 2º team". Começaram, então, os seus membros a apelar para o último recurso, isto é, chamar a campo todos os elementos já reformados.
A esse apelo acorreram pressurosos, com o mesmo acendrado amor que sempre votaram ao clube da Chácara dos Eucaliptos, Bitú, Job e Gallego, de há muito deixados das lides esportivas. Conseguidos esses elementos, foi constituído o team que ontem se encontrou com o Grêmio, e que na quinta-feira última, fez o seu primeiro e unico training com o S. C. S. José.
Mas, façamos um ponto final nessas referências ao "movimento revolucionário", ou melhor, à prova de indisciplina que estalou no Internacional, e passemos a narrar o que foram os encontros de ontem.
A ASSISTÊNCIA - A assistência aos matches de ontem foi numerosa. Poderia, porém, ter sido avultada, avultadissíma; poderia até ter esgotado todas as dependências do vasto ground dos Moinhos de Vento, caso para as entradas tivesse vigorado o preço de 2$000, ao invés do de 3$000 como o resolveram. Sim, porque 3$000 para se assistir a um match de dois teams de inegável valor, mas desfalcadíssimos, nem todos estão dispostos a dar nesta epoca de câmbio a 4!!
Que a calinada de ontem sirva de exemplo aos responsáveis pelo preço das entradas, os quais, para outra vez, se deverão lembrar de que "quem muito quer, tudo perde".
O JOGO DOS 2ºS TEAMS - O jogo dos 2ºs iniciou-se às 14 horas, sob a direção do referee Moysés, do S. José.
Para este jogo havia pouco interesse. Dizia-se que o Internacional levaria facilmente de vencida o seu antagonista, a quem infringiria séria derrota. Tal, porém, não se deu, pois os rapazes da camiseta alvi-rubra não apresentaram o seu costumado jogo de sempre. Estavam frouxos e desarticulados, a ponto de pelo menos no desenrolar do 1º tempo, verem os seus torcedores perigar a vitória.
No 2º tempo, porém, começaram a melhorar o seu jogo, de maneira que, ao finalizar o encontro, o carnet do juiz acusava o seguinte resultado:
Internacional - 4 gols
Grêmio - 2 gols
O JOGO DOS 1ºS TEAMS - Após o clássico bate bola, o sportman Alfredo Aveline trilou o apito chamando a campo os componentes do 1º team. Pisando no gramado, foram os 22 players recebidos com prolongadas palmas e aclamações partidas do pavilhão e de todas as dependências do ground.
No centro do campo, Lagarto, o capitão do team gremista, entregou ao capitão do team internacionalista, Bitú, uma corbeille de flores. Este, agradecendo, fez votos para que o match de ontem servisse para estreitar cada vez mais as relações de paz e harmonia que recém se estavam iniciando,
dizendo ser desejo do seu clube que da arena da luta saíssem de braço dado, amigos como haviam entrado, vencidos e vencedores.
Terminada essa breve alocução, verdadeira lição do verdadeiro esporte, foram os teams ocupar as suas posições, obedecendo à seguinte organização:
Internacional
Job
Meneghetti - Só
Rosario - Bitú - Moreno
Heron - Barros - Tatu - Eduardo - Gallego
Grêmio
Lycerio
Assumpção - França
Bissaco - Filhote - Meneghini
Léo - Totte - Feio - Lagarto - Lulu
Sorteado o toss, coube a saída ao Internacional, cuja linha dianteira, numa combinação admirável e rápida, leva a esfera até aos domínios do gol de Lycerio, fazendo perigar seriamente a queda do mesmo.
A defesa gremista reage, mas os da linha alvi-rubra carregam de novo e desta vez com mais impetuosidade ainda. Por duas vezes, Barros chuta violentamente a goal, passando a esfera rente às traves do gol.
O match prossegue no meio do maior entusiasmo e da mais desenfreada torcida. Ora é uma defesa magistral, que provoca grande algazarra, ora é uma carga bem dirigida que faz vibrar a assistência. O jogo, agora, passa a se desenvolver mais no centro do campo.
Passados os primeiros momentos que, como sempre, são de uma natural indecisão, não permitindo qualquer prognóstico, começa a assistência, aos poucos, a se convencer de que o match, "malgré tout", seria parelho, renhido, empolgante. E de fato o foi!
Decorriam 22 minutos de um jogo cavado e belíssimo, quando a linha alvi-rubra investe em bela avançada contra o campo adversário, Heron centra, o goal-keeper defende e Barros, em violenta emendada, a meia altura, abre o score da tarde. Os seus torcedores aplaudem prolongadamente o seu feito.
Agora, são os gremistas que tudo fazem para igualar o score, mas a defesa contraria frusta-lhes todas as tentativas, notadamente Meneghetti e Moreno, que jogam admiravelmente, Job, embora há muito deixado do football, teve oportunidade nesta fase de, por duas vezes, salvar o seu posto em situações deveras críticas.
Volta o Internacional a atacar, chegando os seus backs a irem até o centro do campo. O Grêmio, porém, não desanima e carrega de novo. Há uma escapada pela direita e Totte, recebendo um passe, corta por entre os backs e, a poucos metros do gol, desfere violento tiro rasteiro que Job não consegue deter. Mais alguns minutos, que se caracterizaram por contínuas ofensivas dos alvi-rubros, e o juiz dá por findo o 1º tempo com o seguinte resultado:
Internacional - 1 gol
Grêmio - 1 gol
Terminado o descanso regulamentar, voltam novamente a campo os degladiadores da tarde.
Como o tempo anterior, este continua disputadíssimo e parelho, notando-se, porém, mais eficiência de ataque na linha gremista. O extrema-esquerda desta, deixado quase que à vontade por Rosario, que se preocupa demais em marcar a Lagarto, dá boas centradas que fazem perigar por várias vezes o gol de Job, o qual, a seu turno, brincando um pouco com a perigosa linha adversária dá bons sustos aos seus torcedores, mas se sai sempre bem dos seus brinquedos e dribles.
Decorriam 18 minutos de jogo, quando se verifica um comer contra o Internacional, formando-se uma “scrimage” na porta do gol. Lulu, bem colocado, consegue, em bom tiro pelo ar marcar o 2º gol para o seu team. O Internacional, longe de esmorecer, carrega com vontade e Eduardo empata novamente a partida, fazendo, dest'arte, cessarem os apluasos que ainda coroavam o feito de Lulu.
Empatada de novo a partida, o jogo volta a se tornar como d'antes: parelho, renhido e difícil de algum dos adversários dele sair com a palma da vitória, Já faltavam apenas 15 minutos e o resultado não se modificava. A partida terminaria com aquele empate, diziam todos. Súbito, dois dos melhores homens da linha do Internacional se contundem seriamente: Barros, primeiro, e depois Tatu. O Grêmio, aproveitando-se desse fato, carrega com mais veemência e Lagarto marca um novo gol.
O Internacional ainda reage, e com vontade de vencer, chegando mesmo Gallego a estar sozinho na frente do keeper gremista, mas afobou-se e, pondo fora a bola... deitou o match a
perder! Mais alguns minutos, e a partida termina com o resultado seguinte:
Terminado estas ligeiras notas, que aí ficam à guiza de crônica, congratulamo-nos com os velhos, temíveis e leais adversários de ontem pela cordialidade que reinou em todo o match e, com ansiedade, aguardamos daqui a segunda partida que, ao que se diz, deverá se realizar logo que voltem de S. Paulo os elementos que ali se acham.
Pela de ontem, que constituiu, por assim dizer, um simples pano de amostra, facil será avaliar a importância da segunda partida, na qual, por certo, os dois teams apresentar-se-ão em campo com todos os seus elementos, para que se possa, então saber qual dos dois é o "bicho", de fato no football portoalegrense.
Fonte: Novidades (RS), 24/09/1923, ano 1923, n. 019, p. 3. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/846554/39. Acesso em: 24 dez. 2023