Contrariado nos seus cálculos políticos, há meses, o governador gaúcho começou a intervir acintosamente na vida esportiva dos pampas, procurando hostilizar os seus adversários políticos, chegando ao ponto de criar dissídio no futebol sul-riograndense, passando alguns clubes, onde pontificavam os seus amigos e correligionários, a formar uma nova entidade que se filiou as hostes "especializadas".

Agora, com a viagem do S. C. Internacional, de Porto Alegre, ao Rio, acaba de surgir nova questão que ameaça criar um caso sensacional no futebol gaúcho.

Vejamos o que, a esse respeito, escrevem nossos colegas da "Folha da Tarde", da capital sulina:

Um caso inédito para a cidade vem de se registar com o embarque da delegação desportiva do Internacional que, atendendo a uma das cláusulas do contrato celebrado a 23 de junho, seguirá hoje para o Rio, em companhia dos rapazes do Flamengo.

Os colorados, que sustentarão na capital da República três matches, não recorreram a elementos estranhos ao clube, conforme era geralmente esperado. Russinho, que chegara a ensaiar no estádio da rua Silverio, não foi incluído na turma, por qualquer motivo.

Os boatos sobre Ordovás, Benjamin e Ruy, este integrante do último selecionado gaúcho, também não se confirmaram. Apenas Laxixa, jogador destacado no certame "confederado" e pertencente ao Villa Nova, apareceu hoje, num matutino, como fazendo parte da embaixada.

A esta informação seguiu-se certo rebuliço nas nossas rodas desportivas.

Falava-se que Laxixa estava preso ao clube da faixa branca por um contrato e que, nestas condições, não poderia seguir para o Rio. Figuras de projeção nos arraiais colorados afirmavam, por outro lado, que aquele jogador viajaria de qualquer manobra, jogador viajaria de qualquer maneira do Estado.

Em virtude destas notícias contraditórias e mais da possível interferência da Censura local, procuramos obter esclarecimento, conseguindo, mais tarde, trazer até a nossa redação os desportistas João Cauduro Sobrinho e Henrique Maia Faillace, presidente do departamento esportivo e técnico, respectivamente, da Sociedade União Villa Nova.

Na "Folha", cercado por diversos companheiros de trabalho, Faillace historiou os fatos, que prometem sensacionalizar as nossas rodas desportivas:

"Anteontem, fui procurado pelo jogador Rosalino F. Lima, mais conhecido por Laxixa, que me solicitou licença para acompanhar a delegação do Internacional, que segue hoje para a capital do país. Como o meu particular amigo João Cauduro, presidente de departamento, me desse ampla liberdade para resolver o assunto, declarei-lhe que acedia ao seu pedido, não só por se tratar de um jogador exemplar, como por estar em jogo o bom nome desportivo do Rio Grande do Sul. Obtemperei, entretanto, que o Villa Nova tinha, amanhã, um sério compromisso e, nestas condições não me parecia justo que se ausentasse desta capital antes de segunda-feira, quando, por via-aérea, poderia alcançar a delegação no porto do Rio Grande. Acrescentei, porém, que julgava absolutamente indispensável um entendimento prévio com os dirigentes dos campeões de futebol de 1936.

Como não fosse procurado por nenhum prócer-rubro, aproveitei um encontro fortuito, ontem, com o desportista Antônio Siciliano, da diretoria do Internacional e secretário da Amgea especializada, para abordar novamente o assunto. Frisei, então, para que não se pensasse que havia a menor má vontade por parte do meu clube, que este estava disposto a entrar com o excedente da passagem de Laxixa, caso viajasse segunda-feira, por outro vapor, diretamente a capital da República. E insisti, novamente, por um encontro com os dirigentes alvi-rubros, para resolver definitivamente a questão.

O meu pedido, razoável sob todos os aspectos, não foi, entrteanto, atendido. E hoje, pela manhã, tive comunicação de que o Corpo de Guardas da Brigada Militar do Estado, força a que pertence Laxixa, recebera uma ordem direta do governador do Estado, concedendo licença a este jogador para ausentar-se da capital com a missão colorada.

Creio que s. exc., o governador do Estado, assim agiu desconhecendo completamente a situação de Laxixa e acreditando simplesmente prestar um benefício ao esporte gaúcho. Mas a verdade é que o Villa Nova tem um contrato com este jogador, perfeitamente legalizado na Censura de Porto Alegre, que inibe de ausentar-se daqui sem nosso consentimento expresso.

Não pretendemos impedir o jogador que em questão preste o seu concurso ao quadro rubro, no Rio de Janeiro. A disposição em que nos encontrávamos em custear até parte de sua viagem é, neste sentido, prova mais do que cristalina. Apenas temos que zelar, igualmente, pelos nossos interesses. Amanhã, contra o Porto Alegre, jogamos uma partida decisiva para o clube na tabela. É natural, assim, que procuremos apresentar a turma em sua melhor forma.

Nota-se que, concedendo permissão a Laxixa para seguir, depois do match contra o veterano, para o Rio, o Villa Nova não poderá contar com este seu esplêndido jogador nos dois primeiros jogos de returno. Pois apesar disso não a negamos, com a restrição já conhecida. O embarque de Laxixa, segunda ou terça-feira, não prejudicaria ao Internacional nem a Villa Nova. Era, portanto, a solução ideal. Os próceres colorados preferiram, entretanto, agir violentamente, sendo voz corrente que um deles afirmou que, "com ou sem o consentimento da Censura", Laxixa irá com o Internacional para o Rio.

Esta declaração prende-se ao fato de Laxixa — como já disse — ter um contrato com o Villa Nova perfeitamente legalizado na Censura de Porto Alegre, ora dirigida pelo Sr. Silva, substituto eventual do Sr. Mario de Lacerda. Aquele cavalheiro, em palestra que tivemos hoje, às 10 horas, garantiu-nos que os direitos do Villa Nova serão respeitados, nem que seja necessário usar da força. O Villa Nova não pretende recorrer a tais extremos, Cauduro e eu procuraremos ter ainda, até às 14 horas, um entendimento qualquer, que suavize e resolva equitativamente o caso em apreço. Só na impossibilidade absoluta deste, pela intransigência dos próceres colorados, lançaremos mão da Censura, que, como já disse, deu-nos completa garantia de que Laxixa só embarcará com o consentimento expresso de nossa parte".

Este o histórico do sensacional "caso" que promete revolucionar o nosso ambiente desportivo, com a interferência, pela primeira vez, da Censura nas atividades futebolísticas da metrópole gaúcha.