17 de dezembro de 2006: o dia em que tudo aconteceu

Por Geison Munhoz

Me perdoa!

Ninguém levava fé. Seja honesto, colorado: nem tu mesmo acreditava que terminaria do jeito que terminou. Parecia impossível, intangível, inconcebível. Era algo tão distante, como a estrela solitária de 1992 diante do Fluminense e toda aquela polêmica acerca do pênalti em cima de Pinga. A conquista da Taça Libertadores de 2006 alimentou um sonho e uma incógnita na cabeça do torcedor colorado: "SERÁ QUE DÁ"?
Entre agosto e dezembro, perdemos quatro referências fundamentais do time-base: Bolívar (general da zaga colorada), Jorge Wagner (lateral-esquerdo que marcou dois golaços contra Nacional e LDU na fase final), Tinga (nosso motor incansável e autor do gol do título) e Rafael Sobis (o guri que rasgou a camisa do São Paulo, calou o Morumbi e fez a zorra toda na reta final da Copa). Vieram Hidalgo (lateral-esquerdo do Libertad, adversário do Inter na semifinal), Vargas (campeão com o Boca Juniors em 2003) e Pinga (sim, ele mesmo, mas estava sem condições, graças a Deus).
Aqueles meses foram angustiantes, como se já não bastasse a parada da Copa do Mundo que gerou aquele hiato gigantesco entre os confrontos contra a LDU. No Campeonato Brasileiro, o Internacional ia deixando a taça escapar rodada por rodada para um São Paulo mordido, porém, aguerrido e lutador, como nunca mais visto desde 2008.
Aos poucos apareciam bons nomes entre os jovens, como os campeões do Brasileiro Sub-20 Alexandre Pato (que arrebentou com o Palmeiras na penúltima rodada do Campeonato Brasileiro) e Luiz Adriano, ao mesmo tempo em que tivemos as baixas de Márcio Mossoró e Rentería. Na última rodada, fomos goleados pelo Goiás em pleno Beira-Rio, mas quem se importava? Cara, estávamos a caminho do Japão!
Agora tu, colorado... Imaginou que aquele coloradinho que cresceu com uma camiseta escrito "Aplub" em meio de um monte de camisetas escrito "Renner", veria o Internacional jogando contra o Barcelona em uma manhã de domingo, a não ser no Ronaldinho Soccer 97? Imaginou que teu pai te colocaria em um carro junto com toda a tua família e vocês fariam parte da maior festa que esse estado já viu em comemoração de um título mundial?
Passado o cagaço do jogo contra o Al-Ahly, veio um cagaço ainda maior quando o Barcelona socou sem cuspe e com areia o coitado do América do México. A madrugada do dia 17 de dezembro foi de total angústia. Sono? Fome? Sede? A única coisa que se pensava era em não passar do horário do jogo. Quem conseguiu dormir só teve esse sucesso depois de tomar um tarja preta, porque meu Deus... Que agonia do cacete!
O jogo começa e vai se desenrolando em meio a muitos "haja coração", "quem é que sobe", "bateu pro gol". E aquele dentuço FDP, que tanto nos fez chorar, não parava de sorrir. Futebol era a alegria de Ronaldinho, mas aquele dia era de cerrar seus dentes e costurar a sua boca. Ele era a esperança do lado azul e o que mantinha a rivalidade viva, mesmo do outro lado do mundo.
O embate estava sendo melhor do que o esperado. Víamos um time compactado, marcador, saindo para o jogo nas horas apropriadas, sem a afobação que vitimou o time mexicano na semifinal. Aí começa a loucura e a resposta para a pergunta do início do texto é: "É DIFÍCIL, MAS DÁ". Edinho (sim, o nome dele vai estar aqui, tu querendo ou não) acerta o nariz de Índio, que cai sangrando, enquanto Fernandão sente cãibras e não se aguenta em pé.
Clemer segue fechando o gol, enquanto Fernandão segue no sacrifício. "IH, ACHO QUE NÃO VAI DAR". E, finalmente, Fernandão tem que deixar o campo e o escolhido por Abelão é Adriano Gabiru. "ACABOU O SONHO, GURIZADA. FOI LINDO VER O INTER NO JAPÃO, MAS QUEM SABE EM UMA OUTRA OPORTUNIDADE. VAMOS PERDER DE CABEÇA ERGUIDA".
Só que o futebol é uma coisa muito louca. Tem um misto de senso de justiça com mística, onde o plot-twist é a cereja do bolo. E nas palavras de Denardin (2006):
"Índio faz o domínio da bola, Ronaldinho faz a marcação a distância. Índio chuta de qualquer maneira para o meio do campo, de cabeça torneou Adriano Gabiru. Tocou para Luiz Adriano pro Iarley... Olha o gol do Inter pintando... Luiz Adriano ta livre, lá vai Iarley, tocou no Gabiru, vai marcar, atirou, Gooooool! Goooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooool".
A partir desse momento, a água virou vinho, os peixes se multiplicaram, mares se abriram. O maior dos colorados ateus levantou as mãos para o céu e disse: "OBRIGADO, SENHOR". Vizinhanças finalmente desentocaram em um momento único de confraternização, agitando bandeiras e camisetas aos gritos de "INTER! INTER! INTER!". O vizinho que era fuzilado com os olhos pelo pessoal da rua por causa do som alto passou a ser amado pela vizinha ao colocar no alto-falante: "PAPAI É O MAIOR! PAPAI É QUE É O TAL! QUE COISA LOUCA! QUE COISA RARA! PAPAI NÃO RESPEITA CARA!".
Mas o jogo ainda não tinha acabado. Faltavam menos de 10 minutos e os joelhos não paravam de doer. As articulações estavam judiadas pelos sinais de fé do torcedor, ora de pé, ora ajoelhado, como se brincasse de vivo ou morto. Estávamos vivos, mas qualquer vacilo custaria esse sonho que um dia foi tão surreal.
Aí que São Clemer e seus apóstolos começaram uma sucessão de milagres em cima de milagres. Viram como as forças divinas estiveram conosco?! A cara de bosta de Ronaldinho, Deco e cia. era impagável. Cada torcedor se tornou um Abel Braga em frente às suas respectivas TVs, fazendo o sinal universal de ACABA LOGO COM ESSA MERDA, PELAMORDEDEUS! Se os espanhóis não sabiam quem era o Internacional, pois então... Muito prazer, campeões do mundo. Então, o juiz apitou o fim do jogo.
Foi lindo demais aquele caos de jogadores e comissão técnica correndo de um lado para o outro. Nunca um torcedor foi tão bem representado. Soava como uma imitação da vida real aquela explosão de alegria. Jamais na história haverá algo mais lindo do que a manhã do dia 17 de dezembro de 2006. Foi um domingo em que o churrasco foi secundário, o chimarrão esfriou, a cerveja chocou e o almoço teve que esperar a festa acabar.
Para o colorado que viveu o amargor dos anos 80 e 90, aquele dia nunca acabou e nunca mais vai ter fim. E no dia em que inventarem uma máquina do tempo, experimente. Volte ao passado e diga para aquele ou aquela coloradinha de camisetinha escrito "Aplub" que sim, um dia seremos campeões do mundo!